terça-feira, 3 de abril de 2012

Abstinência no Vaticano

O celibato e a abstinência, contrariamente ao que muita gente pensa, não se encontram consignados como dogmas da Igreja Romana. Um dogma é um ponto fundamental na doutrina, dado como certo e indiscutível. Não é este o caso: em pleno século vinte, homens casados, anglicanos ou protestantes convertidos, e até algumas mulheres Tchecas foram ordenados. Só em 1978 o Papa João Paulo II congela as dispensas de celibato. Aliás, os padres fazem votos de celibato junto ao bispo, por simples promessa.

Mas então, se o celibato não é dogmático, como compreender a importância do celibato sacerdotal, a ponto do Código do Direito Canónico ratificar excepções?  Porquê a Igreja continua preferindo um clero celibatário, que se pretende pastor no mundo secular, e no entanto se desliga completamente da vivência deste? Qual a justificação? A razão mais amplamente difundida remete para um vago "celibato é testemunho de fé". O argumento não explica nem justifica, poderia até ser usado indiscriminadamente para qualquer assunto.  Inclusive, depois de 1980 são ordenados laicos casados, Católicos, Anglicanos e Episcopais, no Canadá, nos EUA, na Inglaterra,....desde que prometam não ter relações sexuais com as esposas. E estes, serão padres de segunda classe? Sem comentários

Aprofundando um pouco, procurando na tradição dos primórdios da Igreja Romana, verificamos que Pedro, o primeiro de todos os Papas, aquele que foi companheiro de Jesus, quem fundou a própria Igreja não só era casado como tinha uma filha: Stª Petronilha, segundo Jacobus Voragine, arcebispo de Génova. (Séc. XII)

Segue-se uma lista de Papas casados:

- São Félix III............2 fihos
- São Hormisdas........1 filho
- São Silvério.............s/ filhos
- Stº Adriano II..........1 filho
- São Clemente IV.....2 filhas
- Félix V (anti-papa)...1 filho

Ouf, tantos Papas desrespeitando a verdadeira religião? Vejamos agora filhos de eclesiásticos que se tornaram Papas:

- São Damásio......................................Filho de São Lourenço, Padre
- Stº Inocêncio Iº .................................Filho de Stº Anastácio, Papa
- São Bonifácio.....................................Filho de Padre
- São Félix............................................Filho de Padre
- Stº Anastácio......................................Filho de Padre
- Stº Agapeto........................................Filho de Padre
- São Silvério........................................Filho de Stº Hormisdas, Papa
- João XI..............................................Filho de Stº Sérgio III, Papa

As primeiras referências encontradas sobre o celibato do Clero, datam do concilio de Elvira, Espanha,  já em pleno século IV, em que um padre que tinha mantido relações com a esposa na véspera do concilio foi demitido. Mais tarde, no concilio de Niceia, pela primeira vez, se decreta que um padre não poderá casar depois de ordenado. Nessa altura as mulheres podiam ser ordenadas até ao Concilio de Laodiceia, (352)  onde se decide a sua proibição. Mas os padres continuam casando, como atesta o Concilio de Tours  de 567, em que:  "...todo o eclesiasta encontrado na cama com a sua mulher, é passível de um ano de excomunhão, e redução ao estado laico."

Já no ano1045, ocorre a auto-dispensa do Papa  Bento IX , que demissiona para se casar. Meio século depois sob a batuta de Urbano II, assiste-se á venda de esposas de padres para escravatura, e os filhos abandonados. Edificador! Finalmente, no Concilio da Latrão em 1123, Calisto II declara ilícitos os casamentos dos padres.

Ainda no século XIV, o Bispo de Pelage queixa-se que as mulheres continuam a ser ordenadas e a receber confissões.

Século XX, Paulo VI dispensa de celibato a alguns padres.

Como vimos, esta prática teve avanços e recuos; as Igrejas Orientais Católicas mantêm o casamento dos padres ali ordenados, sem o repúdio de Roma; apenas os bispos são escolhidos entre os celibatários.
Como compreender que em 16 de Novembro 2006 , o Papa Bento XVI tenha presidido a reunião de Chefes da Congregação da Cúria Romana, onde se reafirma "..o valor do celibato sacerdotal segundo a ininterrupta tradição católica..."?, sendo pois que, nem sempre foi ininterrupta, nem tradição absoluta!
Como entender as "excepções", e a  diferença de tratamento entre várias facções da Igreja?

Do ponto de vista humano, quantos dramas pessoais não foram provocados por esta prática? Alguém é capaz de sentir como sente a mulher de um padre cujo amor não pode viver á luz do dia? Alguém pode imaginar o que passa na cabeça de uma criança cujo pai é padre? Ou não é o homem o eixo central de toda e qualquer religião? Porque seria o amor de um homem e uma mulher contrário ao cargo e missão de padre?

Concluo que a verdadeira razão desta práxis prende-se com a vontade de tornar os padres uma espécie de funcionários do culto, vivendo de costumes enraizados na sociedade Cristã, cuja missão não corresponde necessariamente a uma démarche de fé.

Quem se esqueceu que a palavra Católico significa simplesmente Universal?

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