segunda-feira, 12 de março de 2012

VONTADES DIVINAS


                                             

Para FeMi-GueLix, sumaríssimo Sacerdote das Letras e Estados Espirituais Avançados.

Caro Guelix,

Pedes, na tua última missiva, um breve historial da evolução da sociedade dos terráqueos, desde a última iniciativa de Bru-Xá, até este momento.

Desde então transcorreu um continuo histórico que abarca cerca de vinte séculos na terra, logo este pequeno resumo não poderá relatar o particular para exemplificar o geral, o que me obriga a descrever meramente as linhas de orientação decorrentes da iniciativa, sem me deter nos diversos contextos a que isso obrigaria. Em suma, de acordo com as tuas instruções, o relato que te deixo pretende descrever as consequências genéricas da nossa última intervenção neste planeta.

Com efeito, quando anteriormente as populações adoravam uma plêiade de divindades, o ação de Bru-Xá determinou um novo modelo de sociedade, nomeadamente pela sugestão do modelo monoteísta. Esta simplificação de credo permitiu unir povos muito diferentes sob os mesmos princípios e valores, apoiados em dez mandamentos de condutas essenciais, base legislativa bastante para todos viverem em harmonia.

Consequências politicas e poder espiritual:
A nova religião começou por unir doze pequenas tribos, que ainda hoje sobrevivem graças à herança cultural que daí adveio.  Quando o seu território foi anexado por um grande império, as crenças deste povo acabou contagiando o invasor, e em apenas três séculos este adotará o modelo monoteísta como padrão oficial, sendo o Imperador o chefe da nova religião. O poder profano apoderou-se do imaginário religioso afim de conter o domínio espiritual. Desde logo ficou entendido que o cargo de Reis ou Imperadores deriva da vontade divina, ideia que se perpetua até hoje. Quando  um século mais tarde o Império se desmoronou, o chefe da nova religião, representante da divindade única sobre a terra, coroava Reis e Imperadores, instalando-se na sua nova capital; a mesma do extinto império.

 O poder secular deriva em norma teocrática, (embora temperada por noções de soberanias territoriais e poder de expressão do povo), contrariando ipso facto a subordinação da existência do poder á sua moralidade, se definida em termos de busca de prosperidade e liberdade para os povos.

Cerca de três séculos depois desta transformação no império, eis que nasce outra fé monoteísta, na mesma região que deu origem culto que referimos; um século mais tarde também se transforma em  império territorial, econômico, politico e cultural. Ambos impérios coexistem, no essencial com as mesmas crenças, mas ambos ambicionam o poder absoluto; o secular e o espiritual. Quatro séculos depois, surge o conflito entre os dois impérios, prolonga-se por três séculos, sem que as feridas de ambos os lados jamais se curassem completamente. Duas religiões oriundas do mesmo berço, com as mesmas normas e crenças, objectam-se mutuamente, cada uma delas tentando ganhar mais adeptos, mais influencia sobre a outra. Mais uma vez o poder secular vê-se subjugado ao poder espiritual.
Consequências sociais e civilizacionais.

Usos, costumes, investigação, ciências e tudo aquilo relativo á atividade humana permaneceu enquadrado nos preceitos do poder das religiões. A coexistência entre a razão e a fé virou impossível, pois apenas agora, nesta era, se assiste a um tímido acordar dos espíritos; concebivelmente a civilização começa a despertar de uma longa letargia intelectual, mas as amarras ao passado teocrático permanecem demasiado fortes impedindo a emancipação moral, intelectual e espiritual das populações.

O que aqui relato serve essencialmente para prevenir quanto á prudencia das nossas intervenções na Terra. Consequências nefastas ocorrem da forma mais inesperada; quem julgaria que promovendo o amor e a igualdade entre pessoas e povos, acabássemos por gerar intolerâncias, guerras, ignorância, e mais sede de poder?

 Não posso deixar de submeter ao teu sábio conselho a seguinte questão: deveríamos banir as religiões que implantámos, ainda que isso não nos redime do que fizemos mal?

Teu Fis-TaSo



Sem comentários:

Enviar um comentário