sábado, 3 de março de 2012

SELF-MADE-MAN







Rico, elegante, bem sucedido... Que mais deseja um homem? Este meu amigo é tudo isto. Ele que eu conheci noutros tempos, agora completamente transformado, explicou-me como, ao imigrar para os EUA, se tornara num “self-made-man”.  Traduzindo á letra significa “fazer-se a si próprio”. Também quero!, exclamei  silenciosamente.





Foi assim que iniciei o exercício de me “fazer a mim próprio”.

Comecei por comprar um espelho, uma ampulheta, um modelo de crânio humano em plástico, uma vela e três recipientes de produtos básicos. Observei, observei, mas a inspiração tardou.  O copo de água e o pedaço de pão permaneceram intocados.  Foi um enorme cocorico de galináceo quem finalmente findou a angustiante letargia.

De principio tive de decidir o que iria fazer de mim.
Fui-me fazendo.... como podia...e não despontava nada de jeito!
Num azedo de vitriólico, o espelho insultava o bom gosto.
- Bem feito! Respondia...
Trabalhar sem projeto, nem preconceito dá sempre merda, é sabído.

A ambição tem destas coisas: pensei em fazer de mim uma obra de arte. Porque não a Vénus de Milo, por exemplo? Só não avancei por causa das amputações necessárias.
Fui buscar e rebuscar todas as obras de escultura que me lembrei, mas todas elas padeciam de alguma peculiaridade encarcerante. O David do Miguel Ângelo, ficou fora de questão por “insuficiências intimas”, eliminei o beijo de Rodin na falta de parceria, a Vitória de Samotrácia  dava-me asas,  mas deixava-me sem mãos...enfim o desespero!

Felizmente a pintura podia abrir-me novos horizontes: não fora aquele ar andrógeno da Joconda, ponderaria a tentativa. Em verdade a minha altura renascentista foi breve, sofrendo um duro golpe quando me apercebi que em maioria eram retratos de nobres e príncipes. Ora eu, plebeu e republicano... Fiz-me á estrada do tempo, percorri a pintura procurando-me nela e assim iniciar a minha composição. Talvez no estilo Barroco...
Porém, a doçura das linhas barrocas combinadas com a ostentação pouco me inspirou. Tenho pena de mim, mas assim é!  Considerei ainda o classicismo, contudo aqueles personagens inspirados na mitologia grego-latina, do Poussin, Lebrun, ou Champaigne nada teriam a ver comigo.

Já sei como andam a pensar: “tão pouco se deteve no rococó, ou no neoclassicismo, e foi parar aos românticos”.  Engano vosso! Aquela atmosfera propicia ao sonho, da expressão pela sugestão não; não me ficariam bem.  Apesar do Moreau e do Klimt, nem o simbolismo me deteve  e quando cheguei aos impressionistas já andava cansado de tanto caminho percorrido.

Agora já em pleno século vinte, impressionismo, naturalismo, cubismo, expressionismo, surrealismo, enfim devido á quantidade de  “ismos”,  desisto . Em verdade, de tanta escolha só me restam duas opções:  aceito de me tornar um personagem desfocado, ou  viro  Picasseado com uma bela assinatura e um longo discurso. Opto por uma terceira via...

Finalmente sei o que vou fazer comigo. Vou esculpir-me, burilando o melhor que posso, artístico ou nem tanto, criativo ou repetitivo, feio ou bonito, pouco importa, vou persistir em me fazer eu. E se porventura houver muito, demasiado por corrigir, poderei parar. E então ficarei assim, como me vêm, inacabado, como uma sinfonia...

E se alguém, alguma vez, me chamar de “sinfonia”... respondo em Fá menor!

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