sábado, 10 de março de 2012

DESCOBERTA DA VIDA





Há dias extraordinários e poetas que singularizam o extraordinário! A "Descoberta da Vida" pertence á exaltação do momento que não se deteve e porém se eterniza no verso de César Vallejo.


DESCOBERTA DA VIDA



    Senhores! Hoje é a primeira vez que dou conta da presença da vida. Senhores! Vos rogo, deixem-me livre um momento, para saborear esta emoção formidável, espontânea e recente da vida, que hoje pela primeira vez, me extasia e me afortuna até ás lágrimas.

O meu gozo provém do inédito da minha emoção. A minha exultação vem de que antes não senti a presença da vida. Nunca a tinha sentido. Mente quem diga que a tenha sentido. Mente e a sua mentira me fere a tal ponto que me faria desgraçado. O meu gozo vem da minha fé nesta descoberta pessoal da vida, e ninguém pode ir contra esta fé. A quem o fizesse se lhe cairia a língua, cairiam os ossos e correria o perigo de apanhar outros, alheios para se manter de pé ante os meus olhos.

Nunca, senão agora, tem havido vida. Nunca, senão agora, tem passado gentes. Nunca, senão agora, tem havido casas e avenidas, ar e horizonte. Se viesse agora o meu amigo Peyriet, diria-lhe que não o conheço e que devemos começar de novo. Quando, de facto, terei conhecido o meu amigo Peyriet? Hoje seria a primeira vez que nos conhecemos. Diria-lhe para se ir e regressar, e entrar para me ver, como se não me conhecesse, é dizer, pela primeira vez.

Agora eu não conheço ninguém nem nada. Adverto-me num país estranho, no que tudo atinge relevo de nascimento, luz de epifania imarcescível. Não senhor. Não fale para esse cavalheiro.
O Senhor não o conhece e lhe surpreenderia tão inopinada fala. Não ponha o pé sobre essa pedrinha; quem sabe se não é pedra e vá você dar no vazio. Seja precavido, posto que estamos num mundo absolutamente desconhecido.

Quão pouco tempo tenho vivido! O meu nascimento é tão recente que não há unidade de medida para contar minha idade. Se acabo de nascer! Se ainda não vivi todavia! Senhores; sou tão pequenino que o dia apenas cabe em mim.

Nunca, senão agora, ouvi o estrondo dos carros, que carregam pedras para uma grande construção do boulevard Haussmann. Nunca, senão agora, avancei paralelamente à primavera, dizendo-lhe: "se a morte tivesse sido outra..." Nunca, senão agora, vi a luz áurea do sol sobre a cúpulas do Sacré Coeur. Nunca, senão agora, se me acercou um menino que me mirou profundamente com a boca. Nunca, senão agora soube que existia uma porta, outra porta e o canto cordial das distancias.

Deixai-me! A vida deu-me agora em toda minha morte.


* César Vallejo, foi um poeta  peruano, considerado um dos maiores do século XX. Partilhou com o
                       nosso Fernando Pessoa, o Génio, a época e a falta de reconhecimento.
** "A Descoberta da Vida" é parte do livro "Poemas Humanos".




Sem comentários:

Enviar um comentário