sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Favas e Cronópios


(Recordando Julio Cortázar)

Meia dúzia de mesas, todas ocupadas com clientes, a mulher do Janecas correndo d’um lado para o outro, ocupadíssima em servir a clientela; fotografias, pequenos quadros, e uma miscelânea de artigos de todo o gênero evocativos d‘outras épocas povoam os muros do pequeno restaurante. Como entro, o Janecas sentado na mesa do fundo, acompanhado pelo Quinitocronópio conhecido de longa data, convida-me a partilhar a mesa deles.
- Senta aqui conosco, não te importas, hein Quinito? Lança ele, esfregando o bigode com um guardanapo que já se vira mais limpo.
- De maneira nenhuma, replica o outro com evidente pouco entusiasmo.
É de noticias minhas que o Janecas quer saber, de como vai a vida, do trabalho, e das pequenas coisas de pessoas que não convivem há algum tempo. Obviamente terei interrompido a conversa deles.
-Obrigado, mas não quero incomodar, objeto, acabando por aceitar face á ausência de lugares disponíveis. 
Já com o meu prato de favas e o copo de vinho sorvido a pequenos goles, noto como aos poucos o Quinito, inicialmente pouco volúvel, retoma o tema que debatiam antes da minha chegada.
- O meu pior erro, foi deixar a Câmara nas mãos daquele pulha!
O Quinito fora presidente da Câmara Municipal por dois mandatos e meio, interrompendo o terceiro quando foi eleito para o parlamento europeu, e deixou o seu vice presidir a função. Nas eleições autárquicas seguintes esse vice perdeu para o partido da oposição, o Quinito também perdeu o lugar no parlamento europeu e deram em cortar casacas uns aos outros com veemência de envergonhar a mais comadre das comadres. Posteriormente ainda tentou a sua sorte como candidato á Câmara, sofrendo uma humilhante derrota que o colocou zangado com praticamente meio mundo. Em suma, um politico profissional com os seus altos e baixos, que quando perde uma eleição é porque o partido o traiu, e quando ganha é porque os eleitores o elegeram a ele, e não ao partido que o candidatou.
- Agora é o que se vê, lamenta-se, ao levantar o garfo e deixando cair uma das favas no prato.
- Que fazes tu agora, interrogo, para amenizar um pouco do veneno que ele distila, supondo que esse não ajudaria á minha digestão.
- Estou tentando vender uma vivenda, e depois vou viver para o Brasil. Tenho de retomar o curso da minha vida; é que eu tinha uma vida antes da politica, sabes. Eu era professor!, rebate defendendo-se de alguma acusação ainda por formular. Engoli a minha garfada e mastiguei aquela afirmação sem responder, como esquecendo que nos últimos vinte anos ele não teve outra atividade que a politica. Sempre adorei o espirito de sacrifício dos tubarões.
- Também eu tinha, abona o outro em socorro do Quinito. (O Janecas ex-sindicalista profissional, vai agora pelo quarto mandato consecutivo como presidente de junta). Os próprios, involuntariamente, denunciam os vícios do sistema na prorrogação dos lugares que ocupam ou ocuparam, e a falta de rotação nos cargos.
- E projetos de futuro?, aventuro ainda.
- Não, não quero mais vinho, contesta quando esboço o gesto de lhe verter mais uma pinga no copo. Só não abalei ainda por causa do Janecas. A amizade dele prende-me aqui, afirma o Quinito com toda a convicção. Eu que cheguei a pensar que esperava vender a vivenda para partir... enfim, as minhas limitações de processamento!
Com as favas acabou o vinho, e a conversa poderia continuar não fora eu considerar que já tinha presenciado mais do que podia absorver como dose de cinismo de uma só vez. Por isso o café se tomou morno na despedida em que cada um achou que nos deveríamos voltar a encontrar mais vezes.
Apesar de tudo, as favas eram ótimas.


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