terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Marchar contra Canhões






A vivência em comunidade supõe, pensamento comum, uma ideia de pertença que cada individuo partilha em consentimento de valores definidos por “comunidade dos afetos”. A sociedade instituída, e que se institui pela plasticidade da ética do cidadão, clama por aperfeiçoamento constante em permanente redefinição.

Nesta perspectiva, sob diversas formas, vou manifestando neste blog inquietações e observações que por intímas não as torna exclusivas.

Não resisto! Há símbolos nacionais que não passam de apelos à violência, ao sacrifício do povo a quem se pede o próprio sangue. São hinos patrióticos? A mim me parecem hinos ao chacinio!


“Tu que Deus criou como escrava de Roma, cerremos fileiras. Estejamos prontos para morrer. Estejamos prontos para morrer.” (trecho do hino nacional de Itália).

Que mística escondem os morituri para tamanho sacrifício?


No país onde os direitos do homem ficaram consignados na própria constituição, exalta-se a matança por este diapasão:

“Às armas cidadãos! Formem vossos batalhões! Marchemos! Marchemos! Que um sangue impuro sacie os nossos sulcos...”. (trecho do hino nacional da França)


A Bélgica, também requer “o sangue” dos seus.

“Oh Bélgica, oh mãe querida para ti os nossos corações, para ti o nosso sangue, oh pátria juramos todos, viverás.”


Finalmente, este atentado á razão:

“As armas! As armas! Sobre a terra e sobre o mar! As armas! As armas!
Pela Pátria lutar. Contra os canhões marchar, marchar.”

A Pátria, Mátria, querida, bonita e doce, não se reconhece na barbárie de cantos guerreiros que ficam longe de condizer com uma sociedade que se diz civilizada.

Era uma vez...


    

Comecei por observá-la, perscrutei a sua arquitetura, e deixei-me seduzir pelo enfeite da sua coroa.

Atrevo-me a convidar o leitor a viajar comigo ao interior de uma romã.

                                                                        

Pintura de Celestino de Oliveira


Primeiro atravessemos a casca dura, que protege ciosamente o seu conteúdo da hostilidade exterior.

Cada grão cor rubi, contem em si uma semente, génese de toda uma romanzeira por nascer.  Embora individualmente frágeis, os grãos unem-se na diferença porquanto  as alvéolas brancas  os separam, agregam, e formam câmaras coerentes que reticulam, conferem rigidez e protegem o conjunto.

Permitam-me, por uns instantes, a ousadia de considerar cada um de nós, portugueses,  como um grão de romã, onde nos pressentimos protegidos pela rigidez da casca, e diferentes uns dos outros nos advertimos iguais. As estruturas arquitetónicas adjacentes, longe de nos separar, estabilizam uma vivência comum. À nossa fragilidade individual opõe-se a génese do que nos une, à semente de uma irmandade perpétuamente renascida.

Mas Portugal não é romã sadia; a casca tem fendas e antros de podridão que vão contagiando o seu interior.  Aqui há alguns grãos rubi, numerosos anémicos esbranquiçados, e a maioria ficaram castanhos, moribundos. As estruturas que eram supostas nos proteger pactuaram com as agressões exteriores.

Portugal, era uma vez uma Romã...

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Pedra e o Malhete

"O malhete", La Maza, da autoria do Silvio Rodrigues, magnificamente manejado por duas grandes senhoras:  Shakira e Mercedes Sosa




La Maza

Si no creyera en la locura                                   Se não acreditasse na loucura                                          
de la garganta del sinsonte                                             da garganta do insonte 
si no creyera que en el monte                         se não acreditasse que no monte
se esconde el trino y la pavura.                              se esconde o trino e o pavor
Si no creyera en la balanza                                Se não acreditasse na balança
en la razón del equilibrio                                               e na razão do equilíbrio
si no creyera en el delirio                                      se não acreditasse no delírio
si no creyera en la esperanza.                         se não acreditasse na esperança
Si no creyera en lo que agencio                     se não acreditasse no que agendo
si no creyera en mi camino                        se não acreditasse no meu caminho 
si no creyera en mi sonido                            se não acreditasse no meu sonido
si no creyera en mi silencio.                        se não acreditasse no meu silêncio
que cosa fuera                                            O que seria
que cosa fuera la maza sin cantera                o que seria o malhete sem a pedra
un amasijo hecho de cuerdas y tendones      um amassado de cordas e tendões
un revoltijo de carne con madera                   uma mistura de carne com madeira
un instrumento sin mejores resplandores              um instrumento sem melhores                                                                                                                              
                                                                                                   esplendores   
que lucecitas montadas para escena           que luzinhas montadas para o palco
que cosa fuera -corazon- que cosa fuera           o que seria, coração, o que seria  
que cosa fuera la maza sin cantera                o que seria o malhete sem a pedra    
un testaferro del traidor de los aplausos    Um testa ferro do traidor dos aplausos
un servidor de pasado en copa nueva        um servidor do passado em novo copo
un eternizador de dioses del ocaso               um eternizador de deuses do acaso
jubilo hervido con trapo y lentejuela            jubilo fervido com trapos e lantejoulas
que cosa fuera -corazon- que cosa fuera           o que seria, coração, o que seria
que cosa fuera la maza sin cantera                  o que seria o malhete sem pedra
que cosa fuera -corazon- que cosa fuera           o que seria, coração, o que seria
que cosa fuera la maza sin cantera.                  o que seria o malhete sem pedra
Si no creyera en lo mas duro                           Se não acreditasse no mais duro
si no creyera en el deseo                                          se não acreditasse desejo
si no creyera en lo que creo                          se não acreditasse no que acredito
si no ceyera en algo puro.                                se não acreditasse em algo puro
Si no creyera en cada herida                         Se não acreditasse em cada ferida
si no creyera en la que ronde                           se não acreditasse na que ronda
si no creyera en lo que esconde                   se não acreditasse no que esconde
hacerse hermano de la vida.                                             fazer-se irmão da vida
Si no creyera en quien me escucha       Se não acreditasse em quem me escuta
si no creyera en lo que duele                               se não acreditasse no que dói
si no creyera en lo que queda                           se não acreditasse no que resta
si no creyera en lo que lucha.                             se não acreditasse no que luta
Que cosa fuera...                                             O que seria...

A SOPA




A “SOPA” é para os pobres? A resposta é óbvia: claro que sim; é a ”sopa dos pobres”.

Desde sempre  estes comeram sopa para que outros (não pobres) possam melhor morder no bife!
Os verdadeiros detentores de poder, cada vez mais trans-nacionais, não apreciam particularmente que andemos por aí a trocar informação, assim sem filtragem e sem deixar um dinheirinho no bolso deles.

Aos poucos vamos ver estas leis serem regulamentadas, e como depois há sempre falhas, estes regulamentos serão completados por outros, e por ainda outros necessariamente incompletos e assim ad-infinito, até que um dia, de restrição em restrição, se proibirá o empréstimo de uma revista ao vizinho do lado.

Obrigará ainda ministros e deputados a socorrerem-se de mais assessores, adjuntos, conselheiros e secretários,  criando mais uns tachos, e uma linda comunicação televisiva do primeiro ministro, com aquele ar muito sério que tanto nos securiza, dizendo-nos que graças á sopa baixou substancialmente a taxa de desemprego neste país.

Por um lado a Apple fabrica I-pods, I pads, e I-nãoseiquantos com a mais alta tecnologia para downloads, uploads e vende tudo aquilo como pãozinhos acabados de sair do forno. Por outro lado proíbe-se, ou restringe-se severamente, o uso destes recursos recentemente criados. Ah, pois, os I-coisas são todos fabricados na china.

A China,  por sua vez, que censura e perscruta de muito pertinho a Internet. Ora cá está: eu desconfio que a culpa seja dos chineses: compram as dívidas públicas ocidentais com o dinheiro que ganharam fabricando I-coisas, e em troca nós importamos a censura à moda da China.

Portanto caros leitores, a bem da nação, atendendo ás circunstancias dos mercados, á necessidade de assegurar o futuro e devido a tantas coisas que nem têm que saber (a não ser que paguem, pois claro), Portugal orgulha-se de anunciar que assinará todas as actas e molhará o bico em todas as sopas!

Primeiro ministro:
(Assinatura ilisível)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

LETRAS à SOLTA


                                                            


A sopa de letras faz parte da ementa de alguns desprevenidos, quiçá inveterados, frequentadores deste Blog.  Ora a culinária das letras decorre tanto da essência dos seus componentes como do espírito do alquimista, pelo que por avanço perdoem a minha incapacidade em deixar aqui qualquer receita; também eu corro atrás dela. No entanto pretendo alertar para alguns embustes encontrados quando cozinho, burilo, esculpo com cisel neurónico este mesmo texto.
Outro cuidado: uma vez elaborada “a sopa”, o alquimista deverá ser particularmente prudente na sua ingestão, não esquecendo que este prato procede da menor partícula, do próprio átomo da palavra; a letra.

Vejam aqui alguns dos riscos que incorrem: é que as letras são perigosas, nem sempre são aquilo que parecem.

Há letras batoteiras, há as tímidas, há letras confusas, as disfarçadas, preguiçosas, e até letras travesti. Vamos a alguns exemplos

O “H” que se pronuncia “aga” é tão tímido que se esconde atrás de outras letras para não ser pronunciado.

O “O” todo masculino, por oposição á feminidade do “a”. Costuma mudar de nome bastas vezes pretendendo ser pronunciado “U”

E as letras batoteiras como o “X” que se pretende “Z” na palavra “exemplo”

O “Z” que se diz “X” em “dez” ou em “fiz”

Os “N” e os “M” perigosos; esses transportam o vírus da gripe ás outras letras Vejam só:
E+m = em
a+n  = an
i+m ou n = Im

Já falámos do “S”?
Este é “travesti:” como na palavra “presente”, faz-se passar por “Z”.
Ou por “X” em todos os plurais.
E preguiçoso: Por vezes temos de duplicá-lo para obter o som “s”, e quando mesmo isso não basta, então substituímos por um c, e como medida extrema até acrescentamos uma cedilha a esse “c”. Que trabalheira, por um simples “s”.

Em suma, as letras, é tudo uma confusão!

Porém, a verdade é que logo que formam palavras, as letras levam uma vida terrível. È que as palavras vivem na boca das pessoas. Já imaginaram o que é viver dentro de uma boca? Num ambiente ácido, fétido, aos trambolhões com pedacinhos de guisado da refeição anterior?

BEEEERRRK!

Notem que eu apenas digo isto para alimentar a conversa; e enquanto eu falo, a audiência engole as minhas palavras.

Só vos peço a delicadeza de ficar em silencio por receio que as palavras saídas das vossas bocas colidam com as letras que vão entrando, e logo os desprevenidos começam a engolir palavras e a articular letras. Em suma, ninguém se entenderia!

O Senhor, sim o Senhor! Fique sabendo que não se escreve de boca cheia!

Para todos,
Boa digestão!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A PID na Net

A Liberdade é una, mas os seus recantos dispersos; a censura, ou , refraseando, as censuras, exercem-se sob as mais diversas formas e espaços, incluindo a da Internet, plataforma universal que alguns de nós sonháramos um dia como instrumento livre para troca de ideias, educação, cultura e aproximação dos povos. Eis a razão porque esta corajosa senhora levantou a voz.
Farei coro com ela.  


Para quem desejar ver o filme com legendas em português ou qualquer outra língua basta  carregar no botão em vermelho "cc" e escolher o respectivo idioma .

  A Rebecca Mackinnon é autora do livro "Consent of  the Networked". 

Welcome to the Jungle

A juventude tem destas coisas; sabe ultrapassar a mera escolastia para nos sublimar o espírito com toda a irreverência.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

As Moscas


Não perguntei aos meus amigos integrantes de partidos políticos, perguntei aos outros, aqueles que como eu, não militam em nenhum partido:
- Quem são os deputados eleitos para a nossa região?
Ninguém, repito, ninguém soube responder. Lembrei-me então de lhes perguntar:
- Porque são “eleitos para a região”, se depois das eleições representam todo o país e não o circulo por que são eleitos? Desta vez não só obtive respostas, como parece que todos tinham uma opinião por formular.
- Porque assim estão-se nas tintas para quem os elegeu, ricana o primeiro amigo.
E outro de acrescentar:
- Tão-se nas tintas para nós, mas respeitinho com o chefe lá do partido, porque é a ele que têm de prestar contas. Senão, na fazem parte das listas p’á próxima.
Outro ainda:
- Tô-me democraticamente a marimbar, porque nenhum voto muda nada a partir do momento em que votas numa lista de gente que nem conheces, só sabes quem é o chefe. E como o chefe é que manda até podem lá colocar um macaco, qu’a coisa fica igual.
- Pois, se não quiseres que o macaco seja deputado não votes nessa lista.
- E se eu preferir aquela lista, mas sem o macaco, hein?
- Não te preocupes, ironiza o outro. Todas as listas contêm sempre algum.
Começo a ficar preocupado com o tom de conversa deles. Alguns, apesar de saberem que o seu voto não serve para nada, até votam...
Esperem aí, intervenho. O voto não é a expressão da democracia neste país?
Ai, ai, ai, que fui eu dizer! Vociferaram todos ao mesmo tempo. Por pouco não fui insultado, embora ainda tenha percebido o epíteto “ingénuo” naquela algaraviada geral. Acabei levantando a voz também:
-Então porque votam, porra! Exclamei, já um pouquinho fora de mim.
- Porque é preciso mudar de mosca mestra de tempos em tempos.
- E?...
- E a merda continua a mesma, mas mudar a mosca dá-me uma sensação de poder durante os dez segundos que me isolo na câmara de voto.
- Mas depois.... começo, e logo sou interrompido
- Depois, com sorte, talvez a mosca não sobreviva quatro anos.
Nem vale a pena transcrever aqui a totalidade da conversa, pois este pequeno trecho bastará para ficarem com uma ideia precisa do seu conteúdo.
Em todo o caso, não tenho de aderir a este fado, à fatalidade que nos pretendem vetar, nem tão pouco ao manto de obscurantismo que paira sobre a nossa sociedade. O sistema instalado favorece os políticos profissionais, eles são o problema, logo não podem fazer parte da solução; só nós, o povo, levantando a nossa voz, dizendo BASTA, queremos outra maneira de ser-mos representados. Teremos ainda de procurar como, qual a melhor maneira, fazer propostas concretas; entretanto há que os chamar á responsabilidade. 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Tunes from Algarve


A importância que os médias concedem aos assuntos decorre essencialmente do chamado “mediatismo” atribuído pelos próprios. Não são mediáticos os dramas, nem as frustrações provocadas por quem supostamente está ao serviço do cidadão. Mas é precisamente disso que vos quero falar hoje: um acontecimento, pequeno, á escala do país, mas que d’uma ou d’outra forma, mais tarde ou mais cedo, afecta invariavelmente cada um de nós. Por isso, não nos devemos calar mais!
O seguinte episódio aconteceu em Tunes: o presidente da Junta de Freguesia pediu ao Sr. Manuel Raposo, pequeno empresário de construção civil e homem muito considerado na comunidade, para lhe arranjar algum entulho fino e se possível o colocar provisoriamente num caminho muito esburacado até a Freguesia poder asfaltar.
Selecionar entulho conveniente, deslocar-se ao local, e palear manualmente para os buracos à medida que o camião se desloca supõe sem dúvida uma despesa adicional para a pequena empresa familiar. Não obstante o prestável Senhor Manuel acorre ao pedido. Já com o trabalho (gratuito) acabado, aparece a GNR. Embora o Presidente da Junta esclareça que o entulho fora colocado a seu pedido, o Senhor Manuel volta a carregar para o camião o entulho que tinha colocado no caminho, novamente a custos próprios, a GNR levanta o auto, e posteriormente o Senhor Manuel recebe uma coima de vinte mil Euros do tribunal. Como é o mínimo consignado por lei; já se está a ver quanto custará tudo isto se o Sr. Manuel decidir recorrer...
Devo também informar que o Presidente da Junta se disponibilizou para testemunhar em tribunal em caso de recurso.
Entretanto no caminho os buracos continuam por tapar, e uma família fica à mercê de uma decisão que pode conduzir à precariedade só porque o Senhor Manuel demonstrou ser um citadão solidário.
Esta situação define uma vez mais a fronteira entre a lei e a razão! E que dizer do dogmatismo da instituição GNR e dos  tribunais que temos?
Calamos?

O jogo de Portugal


- Depende, responde, enquanto sirota devagarinho o batido de manga; embora fraco sorvedor de tinto, o Raúl participa sempre nos debates iniciados com a abertura de uma garrafa de néctar dos deuses. Depois de molhar o bico transita sem vergonha para qualquer sumo ou batido sem que os gloriosos afluves provindo dos nossos cálices lhe galvanizem os neurónios, catalisem a inspiração, ou lhe façam perder o precário equilíbrio entre a análise e a locacidade.
- No entanto a pergunta é simples: ou és republicano ou és monarca.
- Prefiro um regime monarca, como dizes, a uma republica sem democracia; queres que te dê alguns exemplos?  
- Não é necessário retorco, observando que corremos o risco de desviar para outro tema. Não quero perder o control!
Mas neste dia de entrudo o recurso á semântica e a definições mais actuais para definir o conceito de republica ou monarquia á qual cada um de nós refere, iria requerer um debate prévio afim de assentar definições que nos fossem comuns. Não havia vinho para tanto, e o batido tão pouco aguentaria argumentos dispersos.
A melhor gota é a última, dizem. Foi na altura dessa ótima gota que me comprometi com ele em definir o “meu” conceito de republica, pois na próxima oportunidade, talvez uma dúzia de garrafas perca a rolha, e nem a lua nova nos afectará.
Para o Raúl, (e para quem queira participar) aqui deixo á consideração os conceitos que nos faltaram para iniciar o debate que acabou por não ocorrer por falta de “munições”.
·         A Republica cararacteriza-se por estado governado por eleitos do povo e pelo povo.
·         Todos os poderes são meramente delegados.
·         Todos os poderes são amovíveis e temporários.
·         Reconhecimento do equilíbrio de poderes.
·         Sobreposição da ética relativamente ao legal e do particular sobre o universal.
·         Combate à tirania, ao despotismo, ao servilismo e á corrupção.
Posto isto, qualquer governo que sob o argumento de “prossecução das condições necessárias...” entenda se sobrepor a estes princípios, alheia o citadão de participar directa ou indirectamente da coisa publica. Naturalmente poderemos sempre equacionar se todos e cada um destes pontos se adequa perfeitamente á governação e ao regime que temos em Portugal.


domingo, 19 de fevereiro de 2012

Swing and Blues


Eu nem conheço bem o João Galante; e, no entanto, apetece-me apresentar-vos a minha perspectiva:
O João viu-o tocar ao vivo uma só vez; delicia de talento, de simpatia e modéstia. No que demais poderia dizer sobre ele receio pecar por excesso; nada mais acrescentarei senão que me tornei amigo dele sem que ele saiba, assim, “en passant”, porque ele pertence áquela limitada classe de pessoas que vos conquista simpatia pela simples presença.                          

                                                       Peneco Blues



Lyrics by JG:  Peneco Blues A lua era de preta A areia ainda fervia Os teus olhos de gata Brilhantes na maresia Peneco blues,dava tudo pra te ver Fazer amor nesse regaço Curtir o sol pelo amanhecer Soberano desta praia Entre escarpas e o mar Atravessaste o tempo Foste sonho,foste lar Peneco blues,dava tudo pra te ver Uma lembrança,um abraço Deste alguém que viste crescer. O sol já não queria Mais gaivotas a voar Em vão eu ..

Obrigado João, por permitires que partilhemos este trecho do teu novo trabalho dedicado a Albufeira, e parabéns aos dois excelentes músicos que estão contigo.  


sábado, 18 de fevereiro de 2012

Prémio do Amor Varadero 2012


Ontem recebi o seguinte e-mail: “o autor cubano Felix Miguel Garcia, ganhou o "Prémio Amor de Varadero 2012”.  Pelo imenso mérito e a enorme admiração que me merece, pelo talento e pelo humor, fica aqui um pequeno diálogo na tentativa de retratar quantas dificuldades ele ultrapassa diariamente para continuar o seu oficio.
Mas antes disso, um pequeníssimo poema dedicado á amizade, publicado no seu poemário "Otra vez Jonás".

                                                                                       


                                                                                                          
        El abrazo que te di es para uso personal
        no lo divulgues ni lo abandones
        suspéndolo en cualquier océano 
        guárdalo en la boca. 

                                                                                       






Félix Miguel Garcia, "Prémio do Amor Varadero 2012"


- Dez folhas brancas. Dez, uma autentica panaceia!, exclama.
A Cilmara habituara-se aquelas euforias do poeta sem se pronunciar. Hoje os chícharos lhe ficaram demasiado torrados na panela, e não sabia quando poderia voltar a conseguir nem mais uma libra que fosse; talvez por isso não resista em espicaçá-lo um pouco.
- Brancas mesmo?, arrisca, comparando mentalmente a cor das folhas com a dos chícharos enquanto ele mexe e remexe “o melhor café do mundo qu’é o da Cilmara”. Embora demasiado torrados ela aproveitara para os reduzir em pó, colocando depois no frasco, que servira de confitura, onde guarda o “café”, sempre ciosamente fechado para não se perderem os aromas.
- Brancas como neve, e espessas! Deu-me vontade de trazê-las para te mostrar, só as não trouxe por causa da chuva.
- E caneta ainda tens? pergunta como forma de o relembrar que fora ela quem lhe conseguira a preciosa ferramenta na passada semana. Na altura, ele também não tinha papel, portanto concerteza que ainda tinha caneta com tinta. Com tanto mexer o café ainda este arrefece, pensou, e nem todo aquele açúcar vai esconder o gosto dos chícharos demasiado torrados.
- Oh mulher, profere o Miguelito levando finalmente á boca a xícara em fina porcelana chinesa que fora da avó de Cilmara. A caneta já está a meio. Foi usada em todos os pedacinhos de papel dispersos que tenho encontrado. Não vais novamente recomeçar aquela conversa do escritor que corre atrás da caneta e que nem papel tem para escrever?  
- Precisamente! Porque será assim tão importante continuar a tentar escrever? Lembras aquele poemário que publicaste “Viagem ao Interior de uma Flor”, quanto dinheiro te trouxe isso, hein? E o recolho de poemas “Jonas” de que serviu? Ou ainda “Os Signos na Cidade”. Quanta energia gastaste, quantas dificuldades mais serão necessárias para calares essa loucura? Morres se não escreves? Ou Morres porque escreves?
- Ambos os casos, Cilmara. Porque morro se ninguém me ler!

                     
O desespero deste escritor, que apenas quer trabalhar, conduziu o Felix Miguel a este pequeno trecho de correio que aqui vos deixo:



"Aquí hay un corredor de una firma importadora de computadoras y sus periféricos. Cuando le compras, te entrega los certificados de propiedad y te ofrece la garantía de postventa. Yo ya estaba al habla con él. Por lo que necesitaba (todo nuevo, en su caja, para yo abrir): una computadora (del 2011, todo, 700.00 CUC), la impresora multipropósito (140.00 CUC), el modem (15. 00 CUC) y el BQ (equipo para la protección de las fallas eléctricas, 60.00 CUC). Es decir, el importe total de todo sería 915. 00 CUC, que equivalen a 22 975.00 pesos cubanos. Yo iba a solicitar al Banco los 25 000.00 (1000.00 CUC), para que me alcanzara para una mesa y colocar todo en mi cuarto. Por esta cifra, el banco te cobra 2000.00 pesos cubanos de interés, es decir el 8%. Esto yo lo debía pagar al banco en 5 años, (60 meses), a razón de 420.00 pesos mensuales. Entre los tres trabajos que tengo, gano 905.00 pesos mensuales, por lo que me quedarían 485.00 para tirar el resto del mes, más lo que fuera cayendo extra por escritor y los trabajos que pudiera hacer.
Para que esto se te dé, aquí viene la parte más difícil, uno tiene que tener dos codeudores con igual capacidad de pago..."        

Nota: 1CUC= 25 pesos Cubanos = 1 Dolar = 0.75 Euro 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Favas e Cronópios


(Recordando Julio Cortázar)

Meia dúzia de mesas, todas ocupadas com clientes, a mulher do Janecas correndo d’um lado para o outro, ocupadíssima em servir a clientela; fotografias, pequenos quadros, e uma miscelânea de artigos de todo o gênero evocativos d‘outras épocas povoam os muros do pequeno restaurante. Como entro, o Janecas sentado na mesa do fundo, acompanhado pelo Quinitocronópio conhecido de longa data, convida-me a partilhar a mesa deles.
- Senta aqui conosco, não te importas, hein Quinito? Lança ele, esfregando o bigode com um guardanapo que já se vira mais limpo.
- De maneira nenhuma, replica o outro com evidente pouco entusiasmo.
É de noticias minhas que o Janecas quer saber, de como vai a vida, do trabalho, e das pequenas coisas de pessoas que não convivem há algum tempo. Obviamente terei interrompido a conversa deles.
-Obrigado, mas não quero incomodar, objeto, acabando por aceitar face á ausência de lugares disponíveis. 
Já com o meu prato de favas e o copo de vinho sorvido a pequenos goles, noto como aos poucos o Quinito, inicialmente pouco volúvel, retoma o tema que debatiam antes da minha chegada.
- O meu pior erro, foi deixar a Câmara nas mãos daquele pulha!
O Quinito fora presidente da Câmara Municipal por dois mandatos e meio, interrompendo o terceiro quando foi eleito para o parlamento europeu, e deixou o seu vice presidir a função. Nas eleições autárquicas seguintes esse vice perdeu para o partido da oposição, o Quinito também perdeu o lugar no parlamento europeu e deram em cortar casacas uns aos outros com veemência de envergonhar a mais comadre das comadres. Posteriormente ainda tentou a sua sorte como candidato á Câmara, sofrendo uma humilhante derrota que o colocou zangado com praticamente meio mundo. Em suma, um politico profissional com os seus altos e baixos, que quando perde uma eleição é porque o partido o traiu, e quando ganha é porque os eleitores o elegeram a ele, e não ao partido que o candidatou.
- Agora é o que se vê, lamenta-se, ao levantar o garfo e deixando cair uma das favas no prato.
- Que fazes tu agora, interrogo, para amenizar um pouco do veneno que ele distila, supondo que esse não ajudaria á minha digestão.
- Estou tentando vender uma vivenda, e depois vou viver para o Brasil. Tenho de retomar o curso da minha vida; é que eu tinha uma vida antes da politica, sabes. Eu era professor!, rebate defendendo-se de alguma acusação ainda por formular. Engoli a minha garfada e mastiguei aquela afirmação sem responder, como esquecendo que nos últimos vinte anos ele não teve outra atividade que a politica. Sempre adorei o espirito de sacrifício dos tubarões.
- Também eu tinha, abona o outro em socorro do Quinito. (O Janecas ex-sindicalista profissional, vai agora pelo quarto mandato consecutivo como presidente de junta). Os próprios, involuntariamente, denunciam os vícios do sistema na prorrogação dos lugares que ocupam ou ocuparam, e a falta de rotação nos cargos.
- E projetos de futuro?, aventuro ainda.
- Não, não quero mais vinho, contesta quando esboço o gesto de lhe verter mais uma pinga no copo. Só não abalei ainda por causa do Janecas. A amizade dele prende-me aqui, afirma o Quinito com toda a convicção. Eu que cheguei a pensar que esperava vender a vivenda para partir... enfim, as minhas limitações de processamento!
Com as favas acabou o vinho, e a conversa poderia continuar não fora eu considerar que já tinha presenciado mais do que podia absorver como dose de cinismo de uma só vez. Por isso o café se tomou morno na despedida em que cada um achou que nos deveríamos voltar a encontrar mais vezes.
Apesar de tudo, as favas eram ótimas.


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Depois de São Valentim

É costume São Valentim provocar uma veia literária conducente a cartas de amor, "ridículas", claro, "porque senão, não seriam cartas de amor". Proponho-vos uma carta "pós-Valentiniana".

O autor desta carta é um conhecido meu e muito amigo do Fernando Pessoa...


Ex.mª Senhora D. Ofélia Queirós:


Um abjecto e miserável individuo chamado Fernando Pessoa, meu particular e querido amigo, encarregou-me de comunicar a V. EX.ª - considerando que o estado mental dele o impede de comunicar qualquer cousa, mesmo a uma ervilha seca (exemplo de obediência e disciplina) - que V. Ex.ª está prohibida de:
 (1)  pesar menos gramas,
 (2) comer pouco,
 (3) não dormir nada
 (4) ter febre,
 (5) pensar no individuo em questão.
Pela minha parte, e como íntimo e sincero amigo que sou do meliante de cuja comunicação (com sacrifício) me encarrego, aconselho V. Ex.ª a pegar na imagem mental, que acaso tenha formado do individuo cuja citação está estragando este papel razoavelmente branco, e deitar essa imagem mental na pia, por ser materialmente impossível dar justo Destino á entidade fingidamente humana a quem ele competiria, se houvesse justiça no mundo.


Cumprimenta V Ex.ª


Alvaro de Campos
Eng. Naval
25-9-1929

Taki Onkoy




Uma sinfonía ás raizes, obra conceptual extraordinária. Aqui fica a letra para que todos os que queiram cantar com a Mercedes Sosa irmaneçam com ela através deste hino.



 TAKI ONKOY II
Por Mercedes Sosa
Compositor: Victor Heredia



Caerá en la tierra

una lluvia sin fin,

un gran diluvio

que apague el dolor
de tanta muerte y desolación
y fertilice nuestra rebelión

Ya nos quitaron
la tierra y el sol
nuestras riquezas y la identidad.
Sólo les falta prohibirnos llorar
Para arrancarnos,
Hasta el corazón.

Grita conmigo
Grita taky ongoy
Que nuestra raza
Reviva en tu voz.

Grita conmigo
Grita taky ongoy
Que nuestra América
es india
y del sol

Creo en mis dioses
Creo en mis huacas
Creo en la vida y en la bondad
De viracocha
Creo en el inti pachacamay.

Como mi charqui
Tomo mi chicha
Tengo mi coya, mi cumbi
Lloro mis maikis
Hago mi chuño
Y en esta pacha quiero vivir. 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Mulher e Poesia





 Fotografia por: Alexandre Afonso Gonçalves


                                                
                                       

"O que é poesia?, dizes enquanto cravas
 na minha pupila a tua pupila azul.
O que á poesia? E tu me perguntas?
Poesia...és tu."

Gustavo Adolfo Bécquer, Rimas XXI

Servidão Voluntária




Longe dos calores eleitorais aos quais os meios de comunicação dão relevancia imediatista, podemos aproveitar agora para um pequeno interlúdio de reflexão; aqui segue um inicio do muito que há por dizer. 
Até há bem pouco tempo o universo dos eleitores se dividia em simpatias partidárias, mas nos últimos anos um novo dado veio baralhar as contas: a abstenção. Quando antes se discutia em quem iriamos votar, agora a questão é se iremos ou não votar.
O sistema de democracia representativa ao qual nos habituámos parece ter deixado de representar todos aqueles a quem é suposto dar voz, considerando que uma maioria de descontentes deixou de votar por não acreditar no atual sistema.
O eleitor, ao exercer o seu direito de voto, aceita os resultados decorrentes, e concomitantemente o modelo de representação politica; implicitamente não se coloca em causa se este sistema o representa ou não, pois ao votar se supõe que entende expressar uma opinião dentro dos parametros colocados á sua disposição.
 São frequentes os apelos ao voto por parte dos agentes politicos e a mensagem passou a pontos que á medida que cresce a abstenção em cada eleição aumentam de igual forma as lamentações sobre a falta de civismo daqueles que não votaram, porquanto a classe politica não  questiona sobre o porquê do fenómeno e das suas dimensões. De acordo com a idéia vigente fica ajuizado como citadão de segunda todo aquele que não se reveja representado nos atos eleitorais.
Mas nós temos um governo eleito no verão 2011 com dois milhões cento e cinquenta e nove mil votos a somar aos seiscentos e cinquenta e quatro mil votos do PP, portanto um total de dois milhões oito centos e quatorze mil votos, num universo de nove milhoes e meio de eleitores. Por outras palavras: mesmo somando os votos do PSD aos do PS obteremos um número inferior ao número de abstencionistas.  Ainda se pensará que o fenómeno provém da falta de civismo dos portugueses sem nos interrogarmos se há outra questão? Daqueles que não acreditando mais neste sistema e se dão o trabalho de ir ás urnas, cento e quarenta e oito mil trezentos e setenta e oito votaram em branco. Inquietante para a classe politica se os somarmos aos três milhões oitocentos setenta mil abstencionistas!
Importa, portanto reflectir, encontrar soluções, debater, apontar direcções, questionar os diferentes edificios do poder: presidencia da républica, o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial. 

domingo, 12 de fevereiro de 2012

"Quem disse que tudo está perdido?"

Ouçam então esta canção escrita pelo Fito Paez e aqui interpretada pela Mercedes Sosa e Francis Cabrel. Deixo-vos a letra:





¿Quién dijo que todo está perdido? 

yo vengo a ofrecer mi corazón,
tanta sangre que se llevó el río,
yo vengo a ofrecer mi corazón.
No será tan fácil, ya sé qué pasa,
no será tan simple como pensaba,
como abrir el pecho y sacar el alma,
una cuchillada del amor.
Luna de los pobres siempre abierta,
yo vengo a ofrecer mi corazón,
como un documento inalterable
yo vengo a ofrecer mi corazón.
Y uniré las puntas de un mismo lazo,
y me iré tranquilo, me iré despacio,
y te daré todo, y me darás algo,
algo que me alivie un poco más.
Cuando no haya nadie cerca o lejos,
yo vengo a ofrecer mi corazón.
cuando los satélites no alcancen,
yo vengo a ofrecer mi corazón.
Y hablo de países y de esperanzas,
hablo por la vida, hablo por la nada,
hablo de cambiar ésta, nuestra casa,
de cambiarla por cambiar, nomás.
¿Quién dijo que todo está perdido?
yo vengo a ofrecer mi corazón.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Carta para o Miguelito



Caro Migue,

O correio que segue não pretende refletir momentos de duvidosa inspiração, estados etílicos avançados nem outras merdas estranhas.
Acontece que a minha "Bruxinha" fica trabalhando hoje até á meia noite, e como os dedos se me impacientam, aproveito para te escrever.
Esta manhã, ao abalar para o trabalho, pedi-lhe para me dizer uma palavra mágica. Pois não disse! Porque não tinha tempo, que me tinha dito ontem, em suma me ofereceu indiferença. Bem sei que todas as interpretações são unilaterais, limitam os olhos do espirito, contribuem para o afastamento. Porém esta noite imagino que ela me inventará uma palavra, falará das cores da sua memória, do tempo malva das coisas, da terra onde cresceu como uma arvore prisioneira que embora necessitando das suas raízes não renuncia, porque gente não é arvore. E eu a escutarei, sabendo como ninguém jamais leu um livro que eu tenha lido, nunca alguém a terá ouvido falar do modo que a oiço.
Então a palavra mágica recusada se converterá em alegria numa larga frase com imenso sorriso.
Esta noite meu amigo, esta noite a escutarei viver!
Driiiing, driiiing....
-" Bolas!...Despertador d'uma figa! Já?..."
Driiiiiiiiiiiing.....
- "Nem oiço, nem quero,. Não estou!...."
Ontem, ela me inventou palavras e luzes lhe cintilaram nos olhos. Depois, aproveitei para a olhar melhor enquanto dormia. Temos a noite para viajar...
Ah, como me custa, mas lá me levanto, tomamos um café, beijo, e abalo para o Alentejo.
Como não conheces Portugal, aqui segue uma pequena descrição do périplo:
O Alentejo fica separado do Algarve por uma pequena cordilheira montanhosa, o que, entre outras coisas, confere descontinuidade ao caminho. Passada a montanha vejo uma placa na estrada: "Mértola 48 Km".
Continuando por 14 Km, outra placa me indica: "Mértola 46 Km" ! As distancias são um pouco Einstenianas e muito relativas por aqui. É um país destinto! A manutenção das telecomunicações é feito pelas cegonhas que elegem o topo dos postos para nidificar. As outras cegonhas não trabalham, são turistas.(ver foto 012) Quando alguma se torna preguiçosa um falcão a substitui no trabalho e no ninho. (ver foto 011)
Não vi nenhum pequeno príncipe, mas suspeito que aqui se escondem zorras e serpentes...
Chegando finalmente a Mértola, um imponente castelo medieval e um cliente muito sério me serenam o espirito. Segue uma reunião de trabalho sob um céu azul cotonado de brancos e um ar transparente que não durará muito tempo. Pouco passa até que me convide a dar um passeio pela propriedade. No seu ponto mais alto, um menir. Aos seus pés uma minuscula ribeira com uma ponte de madeira sustida por um grande mistério e dois paus retorcidos. Há coisas inexplicáveis...
Falei da viajem repartindo-a em pedacinhos para a puder partilhar contigo, mas do mesmo modo que não posso descrever o deserto a partir de um grão de areia, este relato do Alentejo permanecerá infiel e incompleto.
Cinco horas.
É o regresso.
Pelas sete, em Quarteira, uma "Bruxinha" me espera...(?)...com a vassoura.

Un abraço






quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Para Antígona



Evoco:

   Evoco: a arbitrariedade.
   Evoco: a mesquinhice.
   Evoco: a mentira.
   Evoco: a destruição da harmonia.
   Evoco: a memória e a arte de buscar no passado conhecimentos para compreender
             o presente e se orientar nas tênebras do futuro.
   Evoco: que humildade e  humilhação não significam o mesmo.
   Evoco: que não há ocasião soberana para sair quando a ignominia foi sujeita a votos.
   Evoco: que o conhecimento dos símbolos sem a prática dos mesmos os reduz a
       formalismos, sacrificando o espirito.
    Evoco: que quem constrói, e se constrói, tem de medir.
    Evoco: que a equidade como valor corretivo supera qualquer justiça logo que esta 
             se confunda com a mera aplicação das leis.


                                           Por tanto evocar
                                                  Invoco:

-       Invoco o direito á indignação. 

-       Invoco a luz da razão.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O PRINCIPIO E O FIM






(Interpretando F. Pessoa)

A realidade confunde-se com a necessidade espiritual; o poder espiritual confunde-se com as arbitraridades humanas; os humanos tentam salvarse e confundem o principio e o fim.

Existimos?

Existe a bússula, o pergaminho e a dor: “A dor de não ser nada, não querer ser nada, não poder ser nada...”.

Existe a inconformidade de passarmos desapercibidos. Existe o Mar onde dorme o Mostrengo e o Mar imenso que recorta a geografía onde se pousa uma lanterna: “e, além disso, contenho em mim todos os sonhos do mundo”.

Existe o V Imperio?

Existe a palavra, a porta que esconde a palavra, os dentes que se escondem por detrás da palavra. Existe “a voz de Deus no fundo dum poço” e existe “um lenço branco com o qual digo adeus aos meus versos que partem para humanidade”

Existimos á medida que construimos uma passagem que una o princípio e o fim, uma passagem que harmonize as pretensões de eternidade com as arrogancias civilizacionais. Existimos infinitamente com o tempo quando formos acompanhados pelo Imperio do Renascimento Cultural.

                      Mas Portugal, hoje é nevoeiro...

  O V império não pode ser uma espécie de sorte grande destinada a salvar Portugal e a portugalidade de todos os marasmos e maleitas sofridos pela má sorte e o fado que carregamos.

Essa sorte grande surgindo na forma uma súbita dominação politica económica e militar tornando-nos num imenso Portugal (segundo determinados profetas)...
A morte de Don Sebastião e a louca esperança do ressurgimento do rei salvador traduzem o lirismo desesperado de uma nação outrora poderosa cuja decandencia contraria as glórias tão retradas por Camões e substancialmente por Fernando Pessoa.

Os estados e as nações se encontram em interdependencia global. Frequentemente numa dependencia humiliante que leva o humiliado a reclamar da falta de solidariedade internacional. Alguns paises proclamando-se livres e autonomos consideram insuficiente a ajuda de outras nações, donde resulta uma ambiguidade inquietante. As antigas e claras fronteiras, imagem da soberania clássica não podem ser um embaraço para a concertação em plataformas formais como a NATO, a UE, a MERCOSUL a Asean, admitindo um novo poder politico residual, uma espécie de soberania de serviço mais vinculada ao interesse comum, e menos exclusivista

O “nosso quinto império” será o da cultura e da razão, porque a  história se decide á margem de circunstancialismos e intenções politicas.


 Poema de Fernando Pessoa "Mensagens"

QUINTO / NEVOEIRO 
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A Troca



                                         
                                                             Golconde de René Magritte

O corpo necessita repouso. A cabeça precisa d’outros lugares para além daqueles onde o meu corpo cansou o dia; vou aliviar o tempo, dormir, e finalmente deixar o espirito livre de assujeições fisicas: direi que vou sonhar por facilidade ou por hábito de expressão; ausento-me para o lado de lá. Para trás deixo o ligeiro sussurar laringico, as voltas animicas do ácido gástrico no estomago, o doce calor do corpo da mulher que me envolveu a alma.
  Embora sem os constrangimentos daquele que deixei inerte na cama, tenho a impressão de continuar habitante do meu corpo fisico. Velhos hábitos; a mente não se sabe imaterial. Como sempre, tudo, absolutamente tudo, se torna possivel. Posso saltar através das janelas do metro em andamento, me valer da brisa para flutuar sobre um abismo sem fundo troçando  do orvalho que me atravessa á medida que me deixo vagarosamente empurrar para a praia que se conforma aos meus anseios. Sou livre! Vivo aventuras fabulosas, visito amigos cujo rosto transformo como me apetece, troco personagens do passado por outros que por sua vez reinvento, reescrevo os futuros ao sabor do tempo que domino, e quando vindo de fora, algo me incomoda, até me invento sonhos dentro do meu sonho, voltando a transcender o”lado de cá”, aquele que ficou detrás.
  Certa vez pretendi viajar sem corpo. Queria ver como era na encosta da terra, no espaço fronteiriço entre o mundo e o nada. Viajar sem corpo não é a mesma coisa que se esvazar de si, pois não havendo interior de nós mesmo nada há para esvazar; o exercicio consiste simplesmente em abdicar de semblante corpório e se concentrar apenas no objetivo: ir á orla da terra. De inicio nada fácil: ainda não me habituei a mim mesmo, nem imagino que energia me propulsará e, não menos importante, não sei dirigir a minha vontade. Subir pela noite acima, num breu de céu que estrela nenhuma consegue furar, supõe se desfazer de tudo, se despojar totalmente de referencias, de  anterioridades contidas na nossa memória. Finalmente, começo a voar. Com medo. Mas o medo que me impede de subir, forma uma espessa nuvem que não se deixa atravessar; fico por ali, num voo pequeno e sem alturas, a nuvem baixinha como horizonte máximo. Tenho de mudar o propósito: vou abandonar a noção de experiencia, não se trata aqui de uma viagem de turismo motivada pela curiosidade. Tão pouco pretendo meramente vencer os meus medos. Os medos fui eu quem os criou, os coloquei dentro de mim, logo bastará os apagar, nem se justificam por si mesmos. Novamente
o despojo, a pura ausencia de mim, e a consciencia.  Vou como vão as centelhas do brazeiro, estalando de alegria, impelidas pelo ar quente, revirevoltando, iluminando a desatenta densidade do ar e da noite,  me deixo subir cada vez mais. Nada de fisico, nada de moléculas nem de átomos nada de nada que friccione nos impetos que me compelem. Velocidade e facilidade de movimentos estonteantes, extasiantes. Aqui e ali, outras centelhas se deslocam fugazmente, me crepitam boas vindas num brilhosinho intrigado. Algumas ficam ali quietinhas, quiçá para que “os de cá” as admirem, mas outras, irrequietas se lançam para baixo desaparecendo num piscar de olhos; por isso lhes chamam cadentes, mas a verdade é que gostam de brincar. Quando me aproximei de uma delas, logo soube que o seu calor vem de dentro, daquela energia que brilha porque brilha e não depende de nenhum artificio exogeno nem é extinguivel pelo tempo. Toda a comunidade partilha e enriquece a orla, comunga do espaço e supera o vazio. Não se juntam muito porque a individualidade de cada uma a tornou única, mas se frequentam o bastante para se confortarem pela simples presença da outra. Tambem as distingue o sonho, pois cada uma provem de seu. Como não se sonha em simultaneo, há uma grande variedade de centelhas que partem, enquanto outras vão chegando sob a saudação das que restam. O lado aleatório dos sonhos tão pouco permitiria que se marcasse encontros no firmamento. De qualquer dos modos aqui não há tempo para contar descontar ou medir. Nem este espaço se submitiria a medidas, nem este lugar tem sitio nomável, não é como marcar encontro na esquina da rua tal com a avenida tal.
Pretendo agora reentrar no mundo de cá. Volto com vontade de permanecer mais um pouquinho, mas como agora sei voar poderei regressar ao firmamento sempre que me apetecer. Antecipo aquele doce torpor que o meu corpo disfrutará ao acordar de um sonho tão agradável, e se um pouco deste permanecer nas palpebras que se abrirão ao dia, poderei ainda sonhar acordado. Só há um problema:  onde está o meu corpo? Adormeci nesta cama com a minha mulher, e agora encontro outra mulher a seu lado em vez de mim. Perdi o corpo.